terça-feira, 5 de outubro de 2010

aproveitando esses último post da duda, vou postar aqui um texto — não tão pequenininho, mas muito bom, vale a pena — do leminski, meu preferido. ele fala, como o nome já diz, que a poesia está também no leitor, não só no autor. adoro o jeito como ele se desenrola durante a leitura. transcrevi diretamento do livro "ensaios e anseios crípticos".

"poesia no receptor"
"de jesus, contam os evangelhos que, quando a polícia romana irrompia em algum sermão da montanha, revistando e prendendo todo mundo pelo porte de livros de moisés, o divino mestre sempre gritava:
- quem não tiver pecado, atire a primeira pedra.
o pau comia e a cana era dura. mas a frase ficava.
quando discutiam problemas de estado com luís xiv, seus ministros sabiam que a discussão não ia longe. logo luís arrasava qualquer argumentação com o célebre:
- l'êtat, c'est moi.
e era.
na alemanha nazista, goebels, ministro de hitler, comparecia em palestras sobre cultura, só para, no final, bradar alto e bom som:
- quando ouço falar em cultura, levo a mão ao meu revólver.
e levava.
conferencista que se preza (e preza sua arte) tem sempre prontas pelo menos meia dúzia de frases de impacto garantido, para sacar no caso de uma conflagração nuclear mais séria.
sem querer me comparar a esses ilustres predecessores, quase nada do que eu digo em palestras e colóquis sobre poesia causa tanto impacto quanto a afirmação de que a poesia é feita para os poetas.
é como se eu dissesse que a medicina é feita para os médicos, não para os doentes. que a física nuclear só diz respeito aos físicos. ou que na guerra só devem morrer os soldados.
neste mundo, sordidamente mercantil que nos foi dado viver, temos um pavor instintivo de todas as coisas intransitivas.
do amor, por exemplo, tudo o que sabemos é que ele existe.
claro. num mundo assim, todas as coisas tem que ter um porquê. exatamente porque, no universo da merdadoria, tudo tem que ter um preço. tudo tem que dar lucro. o porquê é o lucro, no plano intelectual das coisas.
aí é que a poesia pinta. e dança, no mau sentido.
que fazer com alguma coisa que não serve pra nada, a não ser para continuar vivendo, como um peixe-boi, um cáctus, um tucano, um bicho preguiça?
e que dizer de uma frase assim: a poesia existe para satisfazer a necessidade de poesia dos poetas?
escândalo, loucura e anátema!
quando, em minhas palestras, chego nesse ponto, instala-se o tumulto, que deixo desenvolver-se um pouco para valorizar a frase que vem a seguir.
- um momento. poeta não é só quem faz poesia. é também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. mesmo que nunca tenha arriscado um verso. quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada.
e concluo:
- tem que ter tanta poesia no receptor quanto no emissor.
nesse auge, a multidão prorrompe em aplausos e me carrega em triunfo até o bar mais próximo, onde beberemos à saúde de todos os poetas-produtores e todos os poetas-receptores do mundo.
saúde a vocês que fazem, saúde a vocês que curtem, pólos magnéticos por onde passa a faísca da poesia."


nessa mesma "temática", hehehe, lembrei de uma poesia do mario quintana; outro poeta maravilhoso.  chama-se "os poemas"

"os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se de um instante em cada
par de mãos e partem.
e olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti..."

e de uma frase, do mesmo autor: "um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele!"


pra resgatar um pouquinho a simplicidade nesse meu post gigante e um pouquinho complexo, um desenhozinho meu mesmo, no tablet; mais simples impossível...















beijos,
sofia

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